A greve das instituições federais de ensino e o governo Lula


Artigo publicado no dia 25 de abril de 2024 em A Política Nossa de Cada Dia, no site agazeta.net

Por Israel Souza*

O governo Lula enfrenta sua primeira grande greve. E ela vem justamente de um segmento com que o governo guarda grandes afinidades: as instituições federais de ensino.

Antes do mais, por uma questão de justiça, devo dizer que a educação está numa situação bem melhor agora. Antes, estávamos numa situação de ataques políticos diários e cortes orçamentários constantes. Todos lembramos a lambança em que transformaram o Ministério da Educação (MEC), colocando-o sob a condução de gente desqualificada e obscurantista. 

Uma sucessão de gente ruim por gente pior ainda. Do primeiro ao último ministro da educação do governo Bolsonaro foi assim, um misto de ignorância e perversidade no trato com a educação. Ainda lembramos que o filho do ex-presidente, em evento público, afirmou que os professores eram “piores que traficantes”.

A situação agora é bem outra. Ninguém nega. O orçamento, em parte, foi recomposto. A exemplo das outras categorias, também os servidores da educação tiveram um alento de 9% nos salários. Em que pesem esses avanços, cabe observar que, segundo a ANDIFES (entidade que reúne os reitores das universidades federais), ainda seriam necessários 2,5 bilhões para assegurar o funcionamento básico das instituições esse ano.  A recomposição salarial também tem gerado problemas das mais variadas ordens. Fundamentalmente porque os representantes do governo vêm negando qualquer aumento para os servidores da educação esse ano de 2024, enquanto, por outro lado, tem concedido aumento substantivo para outras categorias.

Desejamos que todas as categorias, sem exceção, sejam valorizadas. Tanto do posto de vista moral, quanto do ponto de vista material. Todavia, é forçoso perguntar: por qual razão umas categorias são valorizadas e outras não? 

Ocupando lugares sensíveis nos interstícios da burocracia estatal, essas categorias outras – assistidas com um aumento pelo governo – conseguem fazer uma pressão quase surda, mas muito efetiva. Trabalhando direto com amplas parcelas da população, essa é uma vantagem que a educação não tem. E, se falham os outros meios, resta a greve.  

Por quase um ano, a mesa de negociação com o governo estava aberta. Entretanto, tudo parecia conduzido como se fosse uma espécie de encenação. Somente depois de uma semana de paralisação, foi que o governo acenou com uma proposta relativamente séria. 

A proposta de recomposição salarial ficou muito aquém do esperado (sobretudo, para os técnicos administrativos). Quanto às outras pautas – as que não implicam necessariamente gastos -, parece que a equipe do governo nem as estudou, demonstrando ignorância e indiferença.  

Compreensivelmente, por essas e outras coisas, o resultado da última rodada de negociação com o governo foi o aumento da insatisfação da categoria dos servidores da educação. Nem bem se passou uma semana, e a greve ganhou ainda mais corpo. Outras entidades representativas dos servidores da educação federal e também dos estudantes vieram se somar ao movimento.

Se o governo não queria enfrentar uma greve, dormiu no ponto. Até aqui, as ruas estavam sendo tomadas somente pelos seus adversários. Agora, por não ter conduzido bem as negociações, acabou empurrando para as ruas uma categoria amiga sua. Em qualquer tempo, isso seria ruim. Mas, em ano eleitoral, é muito pior.

Sabedores disso, já alguns defensores do governo começaram a criticar o movimento grevista, chamando-o de “oportunista” e alegando que ele está “fazendo o jogo da extrema direita”.

Já vimos isso acontecer tanto no cenário nacional quanto no local, onde o PT ficou 20 anos à frente do governo do estado. O resultado é conhecido por muitos de nós. Ao abrir mão de sua autonomia e de seu direito de manifestação, para “não favorecer os adversários do governo”, os movimentos sociais e sindicais se enfraqueceram, perderam força e legitimidade. 

Quando, depois dos governos do PT, os extremistas conquistaram o poder estatal, que movimento restou para poder fazer a contraposição? Nenhum! É nisso que dá confundir afinidade e apoio a um governo com subserviência.

Se há afinidade – e não negamos isso – ela deve ser uma via de mão dupla e não pode, nunca, castrar a autonomia dos movimentos. Do ponto de vista da educação política, isso é algo verdadeiramente fundamental. A seguir a orientação de alguns, parece que os movimentos sociais e sindicais devem aceitar, agradecidos, tudo o que o governo lhes oferecer. Não podem lutar. Não podem contestar. Não podem protestar. Só têm que aceitar o que o governo lhes oferecer, agradecidos.

Isso, porém, não é cidadania. Isso é paternalismo. É empurrar o país para o passado.

Ora, esse é um governo de coalizão e em disputa. Entendemos. As outras frações dessa coalizão, como o centrão, que são infiéis ao governo e não perdem a oportunidade de chantageá-lo e humilhá-lo, avançam vorazes sobre parcelas cada vez maiores do orçamento. Só nesta semana ganhou na casa dos bilhões, via liberação de emendas parlamentares. 

Lira, que começou a semana falando alto, termina-a quase ronronando. Por outro lado, com Rodrigo Pacheco à testa da movimentação, estão propondo um aumento de benefícios para os juízes que vai custar mais de 40 bilhões aos cofres públicos.

Diante da pressão e das chantagens, o que Lula fez? Entre outras coisas, disse que é o governo que precisa do Parlamento, e não o contrário. Sintomaticamente, também disse que Haddad tem que ler “menos livros e conversar mais” com o Congresso.

Temos que assistir a tudo isso passivamente ou temos o direito – talvez, o dever – de tomar parte nessa luta de disputa do orçamento e, no fim das contas, da própria orientação política do governo? 

No mais, pergunto, ainda, se nós não lutarmos por nós mesmos, quem lutará? Se não agora, quando? Se não assim, como?

Por fim, como docente, concluo dizendo que tomara que Haddad não deixe de ler livros, conforme sugeriu Lula. Mas que se esforce, sim, para conversar mais, não com o centrão, e sim com os movimentos sociais e sindicais. 

A voz do povo de luta deve ser ouvida. Se ela não foi silenciada num governo extremista, tampouco o será num governo de forte sensibilidade social. E, se é de luta, de fato, essa não é a voz que diz “Sim, senhor” e “Não, senhor”. É aquela voz ativa e altiva. 

*Israel Souza é membro do Comando Geral de Greve dos servidores do Instituto Federal do Acre (IFAC). Professor e pesquisador do Campus Cruzeiro do Sul.

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